André Carvalho Ramos: "O que mais me impressionou foi ver que estas pessoas estão pior do que quando as encontrei"

Em agosto de 2016, André Carvalho Ramos visitou campos de refugiados na Grécia e conheceu as histórias de quem teve a coragem de largar tudo e fugir. Um ano depois, o jornalista da TVI foi ao encontro dessas pessoas.

André Carvalho
André Carvalho

Um ano depois, foi ao encontro daqueles que conheceu nos campos de refugiados na Grécia. O que encontrou, agora, na Suíça e na Alemanha? E o que mais o impressionou?

O que mais me impressionou foi ver que estas pessoas, iguais a nós, estão pior do que quando as encontrei há um ano e meio. Em agosto de 2016, sobreviveram à travessia do mar Egeu, entre a Turquia e a Grécia, mas ainda tinham energia - não consigo imaginar como - para continuarem o caminho na Europa. Muitos deles queriam ir ter apenas com o resto da família, mas um ano e meio depois não conseguiram. Encontrei três dos refugiados que conheci em Atenas e Lesbos em situações distintas. Dois deles optaram pela ilegalidade para seguir caminho - passaportes falsos, por exemplo, para escapar ao controlo fronteiriço; outro optou pela legalidade e seguir todo o processo de asilo como manda a lei, porém, acabou num campo de refugiados na Alemanha, em Horrheim, numa localidade tão isolada que nem tem transportes públicos para se movimentar. Encontrar estas pessoas, hoje, um ano e meio depois de as ter conhecido dá-me a noção clara de que o processo de integração europeia falhou em toda a linha. Vivem em condições miseráveis, nos países mais ricos da Europa, sem qualquer garantia de cumprimento da carta de Direitos Humanos que tanto apregoamos há mais de 50 anos.

Depois de terem conseguido fugir da guerra, essas pessoas tiveram de continuar a lutar, mas será que conseguiram refazer a vida?

Estas pessoas fugiram da guerra, entregaram a vida ao mar, sobreviveram e agora enfrentam uma nova guerra. Uma das pessoas que conheci dizia-me que, antes de chegar, pensava que a parte mais difícil era o barco, porém, desabafou comigo: "o barco é a parte mais fácil, no barco morres uma vez, aqui (na Europa) morres todos os dias". Não há frase que resuma melhor a vida destas pessoas desde que aqui chegaram.

Houve quem quisesse vir para Portugal, sem sucesso. O que é que, na sua opinião, falha na reintegração destas pessoas?

Portugal prometeu acolher cerca de quatro mil refugiados, a meta ficou a meio. Deveria ser uma vergonha para o país e para a Europa um falhanço tão grande na palavra dada. Quatro mil é pouco, mas a política portuguesa e integração de refugiados é assim - o governo não quer criar campos como existem na Alemanha. Concordando ou não, seria bom que pelo menos os quatro mil já cá estivessem a viver. Um dos refugiados que conheci queria vir para Portugal, já cá tinha tudo: casa, trabalho, quem lhe ensinasse a língua e uma bolsa para ir para a universidade acabar a licenciatura em engenharia. Tentou durante um ano e meio vir para Portugal, mas nunca teve resposta. Acabou por fugir ilegalmente para outro país.

Há um ano, o cenário era de miséria, desespero, medo e incerteza. Um ano depois, mantém-se?

Um ano depois agrava-se porque estas pessoas ficam cansadas - é compreensível. Um ano depois a esperança é cada vez menor e países como a Alemanha começam a deportar refugiados para os países de origem. Enviar para trás alguém que arriscou tantas vezes a vida é o maior ato de crueldade para com a vida humana. Serão os países de origem destas pessoas seguros? Todos temos a certeza que não.

E a esperança numa vida melhor. Ainda existe para estas pessoas, na sua visão?

Deixar tudo para trás e fugir da guerra é uma opção de vida. Quem tem esta força não desiste de continuar à procura de uma vida melhor. O que a Europa devia fazer era ajudá-los, ou, pelo menos, não agravar ainda mais estas situações.

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